Sunday, October 29, 2006

Pequena Miss Sunshine

Tem um gosto um pouco forte, às vezes, de filminho independente americano.


O roteiro não é perfeito, apesar de muito bacaninha.


Mas a garotinha, meu, que gracinha! Steve Carell (o Virgem de 40 anos) é uma surpresa: mandando muito bem. Bem dirigido o filme, afinal, fazer boas mise-en-scènes numa Kombi não é para maricas. Aliás, carro, em geral, é uma desgraça.


Nesse caso, porém, a Kombi desempenha um papel muito importante. São ótimas, e bastante emblemáticas, as cenas em que todo mundo tem que empurrar junto o carro pra ele sair andando.


O sequência final do concurso mirim de beleza é a parte mais legal do filme. E poucas coisas no cinema são tão assustadoras como as mini-concorrentes, no tênue limiar entre ser criança brincando de adulta e ser uma anã com trejeitos de criança. Numa descrição mais precisa, elas são os mini-craques da Coca-Cola se a Barbie fosse uma mini-craque.


Um filme sobre o fracasso, mas com um final bastante alegre, me fez sair do cinema com um sorriso no rosto, e eu adoro filmes assim.


Vale a pena.

Wednesday, October 25, 2006

Máquina Mortífera 4

Máquina Mortífera é uma das séries mais subestimadas da história do cinema. É cinema-pipoca da melhor qualidade.


É uma série muito bem estruturada, seguindo a fórmula James Bond de fazer filmes (o começo é uma ceninha de ação que não tem nada a ver com o resto do filme). As cenas de ação são bastante eficientes. As cenas de humor são ainda mais: a trinca Danny Glover-Mel Gibson-Joe Pesci funciona muito bem. O tema principal da série, a família, é bastante recorrente, bastante aproveitado e é um tema que joga com a relação do próprio espectador com os personagens. Ninguém em Máquina Mortífera é simplesmente amigo de alguém, todos se tratam como irmãos, primos, sogras, etc. Leo Getz (Joe Pesci), por exemplo, é o irmão caçula que todo mundo vive sacaneando. O capitão Ed Murphy (Steve Kahan) é o tiozão chato. Riggs (Mel Gibson) não passa um natal fora da casa de Murtaugh (Danny Glover).


Máquina Mortífera é talvez o melhor representante do sub-gênero “filmes de comédia/ação envolvendo uma dupla que não tem a ver entre si”. Bater ou Correr, por exemplo, é bom, mas a continuação é meio ruinzinha.


Eu tenho um lado baziniano muito forte, eu sempre acho que ver a coisa acontecendo na tela de verdade é muito legal. Talvez por isso uma das cenas de ação que eu mais me impressiono é a do prédio explodindo em Máquina Mortífera 3. Aquilo, minha gente, é um prédio de verdade filmado de vários ângulos diferente. Não é maquete, não é CG e qualquer um que vê o filme sente a diferença na pele.


Claro que outra cena clássica da séria é a da bomba na privada. Aquilo é foda.


Mas, mesmo assim, tendo a achar que Máquina Mortífera 4 é o melhor deles. Primeiro porque o elenco está velho, e isso implica em mais cenas de humor, menos cenas de ação, e as cenas de humor são melhores que as de ação no caso. O sub-tema da velhice surge duma maneira muito engraçadinha, e é contrastado pelo fato do vilão ser o mais forte, hábil e violento de todos os vilões da série (é o Jet Li, aquele chinezinho). A cena inicial, do Murtaugh de cueca na chuva, é, guardada as suas devidas proporções, perfeita. E o Chris Rock, que estréia como parte do elenco nesse filme, faz um belo samba com o Joe Pesci.


O final do filme é uma ótima conclusão daquilo que a série Máquina Mortífera representa e se propõe a fazer.


Sem preconceitos, vai, esse filme é o maior legal.

Tuesday, October 24, 2006

Serras da Desordem

Depois de uma caralhada, Andrea Tonacci volta com um filme bem bacana.


É a história real do índio Carapirú, que se perde da tribo depois de um ataque de fazendeiros e vai parar numa cidadezinha. Aí ele é pego por um sertanista que o leva pra Brasília, e o índio vira manchete dos jornais. Carapirú é um dos personagens mais carismáticos da história, diga-se de passagem, mó fofinho esse cara.


Resgatando toda aquela piração do Iracema e cia, o filme mistura documentário e ficção, sendo a parte de ficção interpretada pelos próprios personagens do filme. Isso quer dizer que várias cenas são um pouco cocheirinhas, porque, afinal, os caras não atuam tão bem. A trilha músical também é de gosto duvidoso, mas beleza, cara, estamos aí! As partes boas do filme são boas mesmo, em especial o começo, uma longa descrição dos costumes da tribo de Carapirú, e o final cheio de imagens angustiantes: o quatizinho na coleira, o churrasco de macaquinhos (isso mesmo), entre outros.


Um dos baratos do filme é que ele tem cara de ser a obra de alguém que não faz um longa-metragem há décadas, é um filme com uma estética meio velha, meio antiquada até, mas que funciona pra cacilda. É um filme meio "out", alguém dirá por aí.


A história do filme dá um panão pra manga. Primeiro pelas reviravoltas dramáticas, em especial a que envolve o filho dele, mas que vamos parar por aí pra não estragar a surpresa. Depois, pela própria trajetória de Carapiru, um cara perdido que é acolhido por todos, mas que não pertence a nada, o índio se fode, apesar dos esforços da galera. O filme, com muita perspicácia, deixa as reviravoltas dramáticas em segundo plano, mesmo que elas por si só já dessem um bom filme, e fala de assuntos muito mais interessantes. Às vezes, rola uma forçação de barra nos comentários feitos na montagem e na estrutura do filme. Mas a verdade é que esse Tonacci aí tem que parar de fazer só um filme a cada 20 anos.

Thursday, October 19, 2006

'Falando' de Filme Ruim... As Torres Gêmeas

Impressiona que um diretor antigamente – mas não tão antigamente assim – conhecido por sua visão – ou revisão – crítica da história dos Estados Unidos em filmes como Platoon, Nascido em 4 de Julho, JFK e até em The Doors, tenha realizado desperdiçado uma chance única com As Torres Gêmeas.

O filme, em sua estrutura melodramática, foge ao embate e se contenta com a contemplação de dois policiais portuários que – heroicamente – ficam presos nos escombros das duas torres enquanto iam – vejam bem “iam” – ajudar as pessoas a saírem do prédio atacado. A partir daí, pouca dramaturgia e muito choro e melodrama barato. Que a construção sonora do exterior ao WTC é impecável, isso é inegável, pois este é o recurso que dá vida aos diálogos empolados que os policiais trocam enquanto estão imobilizados pelo concreto. A imobilidade dos protagonistas fica reforçada por estes diálogos melodramáticos em excesso e pelos flashbacks pouco interessantes que mostram as esposas deles sofrendo por imaginarem a morte dos maridos. Só mesmo a construção sonora para dar um pouco de ação dramática ao filme.

Como se não bastasse a fraca dramaturgia, Oliver Stone – do cético JFK – apesar de mostrar seu virtuosismo na direção de cenas fixas, apela em certo momento para uma aparição religiosa e quase bota o pouco de qualidade do filme a perder. Não é por acaso que a figura heróica do filme esteja centrada em dois policiais que nada fizeram e numa terceira personagem – um fuzileiro – que abandona sua paz para salvar vidas no WTC e depois – segundo as cartelas no fim do filme – lutar na Guerra do Iraque, mostrando que o ‘antigamente’ paranóico Oliver Stone já não tem a mesma pegada e se rendeu ao reacionário discurso heróico-religioso da doutrina Bush.

Não é por acaso, porém é uma pena.

Friday, October 13, 2006

Dália Negra

O Cinema é a arte do duplo: o dito pelo não dito, o ser pela não existência ou pela existência de outro, a imagem por sua essência e não apenas pelo pictórico. Pois, Brian De Palma sempre teve esta temática do duplo percorrendo sua obra, até mesmo em filmes do pura entretenimento como o primeiro Missão Impossível – o melhor da série.

Entretanto, o que torna Dália Negra de especial interesse é como este ‘duplo’ perpassa todo o filme. A começar pela própria estrutura do filme: o filme inicia-se numa direção até o ponto em que se choca com o caso da dália e a partir daí, este novo caso é o fio condutor da narrativa – ou não seria?

Assim como a investigação do assassinato de Elizabeth pode ser apenas uma pista falsa para o espectador, tudo no filme trabalha para a significação de uma imagem que esconde uma essência outra: as personagens de Hartnett, Eckhart e Johansson; a semelhança entre Elizabeth e Madeleine; a família de Madeleine; o caso da dália negra; Hollywood e sua fábrica de sonho e até mesmo toda a cidade de Los Angeles, construída com madeiras reutilizadas dos estúdios de Mack Sennett. Levando o espectador pela trama com uma roupagem de filme noir, com direito a transições em cortina e contraluz divino em Scarlett Johansson, Brian De Palma discute toda a regra do jogo da indústria e mostra que na verdade Hollywood em si é uma cidade-estúdio a partir do momento em que as fronteiras entre o que é cidade e o que é cinema não estão delineadas e os policiais jogam como se fossem Bogart.

Essa reflexão sobre o passado dos filmes Brian De Palma já fazia – por exemplo em Os Intocáveis – na forma, o que sempre lhe rendeu uma fama de ‘brega’, mas que em Dália Negra está na capa e no miolo, como o mais alto Cinema é capaz de produzir.

Thursday, October 12, 2006

Yojimbo

Eu poderia aquir ficar falando de como o Toshiro Mifune é um dos maiores atores da história do cinema. Mas isso é óbvio.

Eu também poderia dizer que o Kurosawa, meu Deus, é um mestre. Mas porra, pra quê, se todo mundo já disse isso?

Eu poderia dizer que Yojimbo é o melhor filme que eu já vi na minha vida, mas eu já disse isso quando escrevi sobre Juventude Transviada.

Então eu vou dizer o seguinte: assistam Yojimbo.

Yojimbo tem vários trunfos, tem a sacada genial do Toshiro Mifune de fazer sua personagem colocar sempre os braços pra fora da manga e ficar passando a mão na barba como quem diz "pode deixar que eu tenho um plano". Tem também um dos vilões mais odiáveis da face da Terra, ele é praticamente um anti-samurai: mimado, arrogante, vaidoso, desonrado, o cara ainda por cima quer lutar com uma pistola, seja macho, pegue uma espada! Nesse sentido, Yojimbo consegue ser bem simples: constrói personagens para você torcer contra, e personagens para você torcer fervorosamente a favor. A personagem de Toshiro Mifune (que Deus o tenha) é a síntese do termo "foda", não é só um Samurai daqueles que mistura inteligência e força, mas também é um cara malandro, irônico, e um pouco mais.

Eu queria ser esse cara, por exemplo.

Yojimbo é um daqueles poucos filmes que sabem reforçar geograficamente o seu conteúdo dramático. Não é uma coisa muuuuito difícil de se fazer, mas a verdade é que ninguém faz. Quando fazem, é do caralho. No caso de Yojimbo, foi só colocar um pátio entre as bases de duas gangues rivais e no meio a taverna de um pobre velhinho que sempre tá se fodendo. Pronto, a coisa fica muito mais visual, forte, empolgante e fácil de entender: um cara indo da esquerda pra direita provavelmente vai querer virar a casaca. Um velhinho se cagando e olhando pros dois lados da janela, é óbvio que vai rolar uma briga entre as gangues. Você, como espectador, cria um mapa na cabeça, se familiariza com ele e, assim, consegue entrar com muito mais facilidade naquele universo. Outro filme que nem esse é o Faça a Coisa Certa, mas vamos deixar pra falar dele um pouco mais tarde.

Thursday, October 05, 2006

O Fetichismo em Murderball

Talvez muitos leram sinopses simplistas sobre esse documentário americano sobre o rúgbi para tetraplégicos e tenham se desinteressado pelo filme. Eu não estranharia. O Guia da Folha trouxe a seguinte manchete para a crítica ao filme: “Tetraplégicos estrelam documentário esportivo”. Fora isso, o subtítulo de lançamento no Brasil (Paixão e Glória) não seja muito atraente. Confesso que eu também não me interessaria por este filme caso não soubesse de sua carreira internacional de sucesso e por minha curiosidade irritante por filmes. O fato é que Murderball é muito mais que um documentário esportivo e muito mais que um filme sobre cadeirantes.

O que acho mais interessante sobre este documentário é sua relação com o fetichismo próprio do cinema e como ele se difere da abordagem masoquista de alguns documentários, principalmente daqueles produzidos no País do Futebol. Apesar de se tratar de os tetraplégicos serem o motivo do filme, o filme não os usa, não os torna objeto de fetiche, não nos coloca numa situação de dó ou de nojo, não quer chocar, não quer usar a diferença para exaltar o virtuosismo artístico do documentário, erro freqüente em realizadores cuja motivação é mais de olhar e não de cinematografar. Estes pontos são a diferença que tornam Murderball um filme ao mesmo tempo sensível, duro, divertido, pesado, engraçado, doloroso, mas essencialmente emocionante, no sentido mais amplo e menos clichê que ele pode ter. Em se tratando de um filme de personagens, ele toca o espectador, faz-nos rir, nos dá força de vontade, divertimento e muita esperança. A construção das três personagens em situações diferentes na vida como tetraplégico dá ao filme um vigor como poucas vezes vi, mérito da brilhante montagem que dá ritmo interessante. Não nos sentimos entediados nunca e o filme parece ter menos de uma hora. Os diretores não querem aparecer com a retórica documental; preferem que suas personagens digam por si só, deixam que elas ajam e falem o que entenderem.

Murderball não usa o fetichismo como estética, evita retratar seus protagonistas como vítimas ou pessoas diferentes ou esquisitas que precisam ser reveladas para que nós (os seres “normais”) vejamos como somos superiores e fiquemos com dó de nossos vizinhos tetraplégicos. O filme é um tapa na cara de todos nós espectadores que vamos ao cinema esperando chorar pela tragédia pessoal que eventualmente passaria na tela. Porém, Murderball nos faz chorar pela nossa própria incapacidade, pois os jogadores da seleção americana de rúgbi para tetraplégicos são vencedores.

Enquanto o Evaldo Mocarzel vai até a Amazônia para perguntar futilidades às parteiras esquecidas pela sociedade “civilizada” no meio da floresta com o olhar fetichista masoquista do homem branco que chega ao novo mundo levando o progresso, os realizadores de Murderball fazem um fetichismo de identificação, mostrando que a visão deste mundo civilizado pode ser reducionista ou preconceituosa. O fetichismo em Murderball é interessante de ser estudado, pois causa identificação do público com os sentimentos mais comuns que personagens como Mark Zupan e Joseph Soares podem sentir quando são vencedores e nós, voyeures civilizados, somos inferiorizados com lágrimas nos olhos, pois caímos na nossa própria arma da superioridade.

Ao final de Murderball, não dá para não querer chorar, simplesmente porque o filme é muito bom e mexe com os nossos sentimentos, como poucos filmes de ficção conseguem fazer, menos ainda quando se trata de cinema brasileiro. Não é exagero dizer que Murderball é o melhor documentário lançado este ano.