Wednesday, May 30, 2007

Baixio das Bestas

O novo filme de Cláudio Assis é chocante, mas acima de tudo é didático demais. Entretanto, se digo que é didático não é que as personagens falam o que pensam o tempo todo (exceto pela cena em que Matheus Nachtergaele discursa olhando para a câmera) e sim porque o universo de Assis é construído às claras, sem jogo, explicito, sem desafios para o espectador. O cinema propriamente dito em Baixio das Bestas não é desafiador; é pobre, educativo, moralista, não há participação do espectador, somente afastamento.

Assis trava uma luta com o espectador, dando uma seqüência de socos, um atrás do outro sem parar. O espectador indefeso ou abandona o filme ou sai de uma experiência atordoante no pior dos sentidos. Não que o conteúdo de sexo e violência sejam insuportáveis, mas porque as simplificações e o tratamento audiovisual é do mais primário. Assis não tenta ser profundo ou desafiador e sua linguagem é exatamente essa: todas as ações do filme são rodadas no plano geral sem cortes e com a luz estetizante de Walter Carvalho com falas ensaiadas saídas da boca do realizador. O filme é Cláudio Assis em carne e osso. Não confundir isso com contundência ou sinceridade. É didatismo puro; tudo tem que estar às claras, explicado, mamão com açúcar: todos são escrotos e quem não o é não tem vez nesse mundo. Assim, sem jogo com o espectador e com uma pretensa profundidade estética/cinematográfica.

Com essa crença no choque como estética, Cláudio Assis mostra que o didatismo existe tanto no filme comercial quanto naquele que entra no forno com a pretensão de obra-prima. A verdadeira obra de arte se mostra quando a luz apaga e as imagens se mostram na tela. Este é o calcanhar de Aquiles do cinema brasileiro atual: quando se vê os filmes, há muito Baixio das Bestas e pouca arte.

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Monday, May 28, 2007

Homem-Aranha 3

Homem-Aranha 3 com todo seu melodrama artificial é uma afronta às HQs. Nada poderia ser mais distante do que isso. É um dramalhão de novela recheado com algumas cenas de ação que em nada acrescentam aquelas do segundo filme - um primor em ação. Acredito que Homem-Aranha faz jus às recentes adaptações de HQs que pouco reproduzem aquilo que o quadrinho tem de melhor - a excessão é Sin City, mesmo com seus defeitos narrativos é o que melhor chegou ao clima.
Fica a pergunta: por que nenhum desses diretores - Sam Raimi, Bryan Singer, Joel Schumacher entre outros - aprenderam a estrutura e o ritmo de história em quadrinhos de ação para cinema com Spielberg e seus Indiana Jones? Ainda bem que é ele - e seu mais novo amigo Peter Jackson - quem vai comandar a adaptação de Tintim para o cinema.

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Friday, May 18, 2007

Tubarão

Uma moça nada ao amanhecer numa praia de uma cidadezinha litorânea, chamando seu futuro ex-caso para acompanhá-la. Ele, bêbado, não consegue tirar a calça para entrar no mar. Debaixo d'água, algo se aproxima da moça. O rapaz cai na areia. A moça nada. Algo se aproxima. Ouvimos as notas do famoso ostinato e então a moça é pega por algo. Ela grita, mas o rapaz, caído na areia, apenas dorme. Debatendo-se contra a fera, a bela sai derrota e some na imensidão do oceano. A música pára. O rapaz dorme...
Como um criador de imagens e sons se mostra um artista cinematográfico de verdade? Assim: tirando de um ataque de tubarão diversos sentidos e sensações. Há a trivialidade de uma cena de romance adolescente após a festa; há o humor refinado do rapaz bêbado que não percebe o acontecimento, há a beleza dos enquadramentos de um belo amanhecer tenebroso e, claro, há o medo de uma criatura que sequer aparece na tela.
Esta é a beleza do cinema de Steven Spielberg: jogar com nossas sensações, usar nossas expectativas para criar sua narrativa e nos encher de emoções. Quem nunca se emocionou com E.T. ou temeu pela vida de Sam Neil em Jurassic Park quando o Tiranossauro Rex passa com sua boca a menos de dez centímetros do rosto do paleontólogo, mesmo já tendo visto esses filmes dez vezes cada um?
Tubarão é a etapa primordial desse jogo; nós esperamos pelo tubarão assasino, mas o medo é inevitável quando de sua aparição. Ao levar o expectador para a identificação, Spielberg desmembra as expectativas do público nos três personagens que saem à caça da besta: temos o medo de Roy Scheider de virar comida de peixe e a valentia de Robert Shaw para matar o animal, mas, no fundo, o que nos move é a curiosidade de Richard Dreyfuss em ver o tubarão de perto. O medo se mistura com a atração e é por isso que sempre queremos ver Tubarão. Não porque dá medo ou para saber se os caçadores vencerão o animal, mas sim porque quando vemos Tubarão - e outros tantos filmes de Spielberg - tomamos contato, dentro de nós mesmos, com o que há de mais humano, demasiado humano. E como é bom ser humano de vez em quando!

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