Friday, May 18, 2007

Tubarão

Uma moça nada ao amanhecer numa praia de uma cidadezinha litorânea, chamando seu futuro ex-caso para acompanhá-la. Ele, bêbado, não consegue tirar a calça para entrar no mar. Debaixo d'água, algo se aproxima da moça. O rapaz cai na areia. A moça nada. Algo se aproxima. Ouvimos as notas do famoso ostinato e então a moça é pega por algo. Ela grita, mas o rapaz, caído na areia, apenas dorme. Debatendo-se contra a fera, a bela sai derrota e some na imensidão do oceano. A música pára. O rapaz dorme...
Como um criador de imagens e sons se mostra um artista cinematográfico de verdade? Assim: tirando de um ataque de tubarão diversos sentidos e sensações. Há a trivialidade de uma cena de romance adolescente após a festa; há o humor refinado do rapaz bêbado que não percebe o acontecimento, há a beleza dos enquadramentos de um belo amanhecer tenebroso e, claro, há o medo de uma criatura que sequer aparece na tela.
Esta é a beleza do cinema de Steven Spielberg: jogar com nossas sensações, usar nossas expectativas para criar sua narrativa e nos encher de emoções. Quem nunca se emocionou com E.T. ou temeu pela vida de Sam Neil em Jurassic Park quando o Tiranossauro Rex passa com sua boca a menos de dez centímetros do rosto do paleontólogo, mesmo já tendo visto esses filmes dez vezes cada um?
Tubarão é a etapa primordial desse jogo; nós esperamos pelo tubarão assasino, mas o medo é inevitável quando de sua aparição. Ao levar o expectador para a identificação, Spielberg desmembra as expectativas do público nos três personagens que saem à caça da besta: temos o medo de Roy Scheider de virar comida de peixe e a valentia de Robert Shaw para matar o animal, mas, no fundo, o que nos move é a curiosidade de Richard Dreyfuss em ver o tubarão de perto. O medo se mistura com a atração e é por isso que sempre queremos ver Tubarão. Não porque dá medo ou para saber se os caçadores vencerão o animal, mas sim porque quando vemos Tubarão - e outros tantos filmes de Spielberg - tomamos contato, dentro de nós mesmos, com o que há de mais humano, demasiado humano. E como é bom ser humano de vez em quando!

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