Thursday, October 19, 2006

'Falando' de Filme Ruim... As Torres Gêmeas

Impressiona que um diretor antigamente – mas não tão antigamente assim – conhecido por sua visão – ou revisão – crítica da história dos Estados Unidos em filmes como Platoon, Nascido em 4 de Julho, JFK e até em The Doors, tenha realizado desperdiçado uma chance única com As Torres Gêmeas.

O filme, em sua estrutura melodramática, foge ao embate e se contenta com a contemplação de dois policiais portuários que – heroicamente – ficam presos nos escombros das duas torres enquanto iam – vejam bem “iam” – ajudar as pessoas a saírem do prédio atacado. A partir daí, pouca dramaturgia e muito choro e melodrama barato. Que a construção sonora do exterior ao WTC é impecável, isso é inegável, pois este é o recurso que dá vida aos diálogos empolados que os policiais trocam enquanto estão imobilizados pelo concreto. A imobilidade dos protagonistas fica reforçada por estes diálogos melodramáticos em excesso e pelos flashbacks pouco interessantes que mostram as esposas deles sofrendo por imaginarem a morte dos maridos. Só mesmo a construção sonora para dar um pouco de ação dramática ao filme.

Como se não bastasse a fraca dramaturgia, Oliver Stone – do cético JFK – apesar de mostrar seu virtuosismo na direção de cenas fixas, apela em certo momento para uma aparição religiosa e quase bota o pouco de qualidade do filme a perder. Não é por acaso que a figura heróica do filme esteja centrada em dois policiais que nada fizeram e numa terceira personagem – um fuzileiro – que abandona sua paz para salvar vidas no WTC e depois – segundo as cartelas no fim do filme – lutar na Guerra do Iraque, mostrando que o ‘antigamente’ paranóico Oliver Stone já não tem a mesma pegada e se rendeu ao reacionário discurso heróico-religioso da doutrina Bush.

Não é por acaso, porém é uma pena.

Friday, October 13, 2006

Dália Negra

O Cinema é a arte do duplo: o dito pelo não dito, o ser pela não existência ou pela existência de outro, a imagem por sua essência e não apenas pelo pictórico. Pois, Brian De Palma sempre teve esta temática do duplo percorrendo sua obra, até mesmo em filmes do pura entretenimento como o primeiro Missão Impossível – o melhor da série.

Entretanto, o que torna Dália Negra de especial interesse é como este ‘duplo’ perpassa todo o filme. A começar pela própria estrutura do filme: o filme inicia-se numa direção até o ponto em que se choca com o caso da dália e a partir daí, este novo caso é o fio condutor da narrativa – ou não seria?

Assim como a investigação do assassinato de Elizabeth pode ser apenas uma pista falsa para o espectador, tudo no filme trabalha para a significação de uma imagem que esconde uma essência outra: as personagens de Hartnett, Eckhart e Johansson; a semelhança entre Elizabeth e Madeleine; a família de Madeleine; o caso da dália negra; Hollywood e sua fábrica de sonho e até mesmo toda a cidade de Los Angeles, construída com madeiras reutilizadas dos estúdios de Mack Sennett. Levando o espectador pela trama com uma roupagem de filme noir, com direito a transições em cortina e contraluz divino em Scarlett Johansson, Brian De Palma discute toda a regra do jogo da indústria e mostra que na verdade Hollywood em si é uma cidade-estúdio a partir do momento em que as fronteiras entre o que é cidade e o que é cinema não estão delineadas e os policiais jogam como se fossem Bogart.

Essa reflexão sobre o passado dos filmes Brian De Palma já fazia – por exemplo em Os Intocáveis – na forma, o que sempre lhe rendeu uma fama de ‘brega’, mas que em Dália Negra está na capa e no miolo, como o mais alto Cinema é capaz de produzir.

Thursday, October 05, 2006

O Fetichismo em Murderball

Talvez muitos leram sinopses simplistas sobre esse documentário americano sobre o rúgbi para tetraplégicos e tenham se desinteressado pelo filme. Eu não estranharia. O Guia da Folha trouxe a seguinte manchete para a crítica ao filme: “Tetraplégicos estrelam documentário esportivo”. Fora isso, o subtítulo de lançamento no Brasil (Paixão e Glória) não seja muito atraente. Confesso que eu também não me interessaria por este filme caso não soubesse de sua carreira internacional de sucesso e por minha curiosidade irritante por filmes. O fato é que Murderball é muito mais que um documentário esportivo e muito mais que um filme sobre cadeirantes.

O que acho mais interessante sobre este documentário é sua relação com o fetichismo próprio do cinema e como ele se difere da abordagem masoquista de alguns documentários, principalmente daqueles produzidos no País do Futebol. Apesar de se tratar de os tetraplégicos serem o motivo do filme, o filme não os usa, não os torna objeto de fetiche, não nos coloca numa situação de dó ou de nojo, não quer chocar, não quer usar a diferença para exaltar o virtuosismo artístico do documentário, erro freqüente em realizadores cuja motivação é mais de olhar e não de cinematografar. Estes pontos são a diferença que tornam Murderball um filme ao mesmo tempo sensível, duro, divertido, pesado, engraçado, doloroso, mas essencialmente emocionante, no sentido mais amplo e menos clichê que ele pode ter. Em se tratando de um filme de personagens, ele toca o espectador, faz-nos rir, nos dá força de vontade, divertimento e muita esperança. A construção das três personagens em situações diferentes na vida como tetraplégico dá ao filme um vigor como poucas vezes vi, mérito da brilhante montagem que dá ritmo interessante. Não nos sentimos entediados nunca e o filme parece ter menos de uma hora. Os diretores não querem aparecer com a retórica documental; preferem que suas personagens digam por si só, deixam que elas ajam e falem o que entenderem.

Murderball não usa o fetichismo como estética, evita retratar seus protagonistas como vítimas ou pessoas diferentes ou esquisitas que precisam ser reveladas para que nós (os seres “normais”) vejamos como somos superiores e fiquemos com dó de nossos vizinhos tetraplégicos. O filme é um tapa na cara de todos nós espectadores que vamos ao cinema esperando chorar pela tragédia pessoal que eventualmente passaria na tela. Porém, Murderball nos faz chorar pela nossa própria incapacidade, pois os jogadores da seleção americana de rúgbi para tetraplégicos são vencedores.

Enquanto o Evaldo Mocarzel vai até a Amazônia para perguntar futilidades às parteiras esquecidas pela sociedade “civilizada” no meio da floresta com o olhar fetichista masoquista do homem branco que chega ao novo mundo levando o progresso, os realizadores de Murderball fazem um fetichismo de identificação, mostrando que a visão deste mundo civilizado pode ser reducionista ou preconceituosa. O fetichismo em Murderball é interessante de ser estudado, pois causa identificação do público com os sentimentos mais comuns que personagens como Mark Zupan e Joseph Soares podem sentir quando são vencedores e nós, voyeures civilizados, somos inferiorizados com lágrimas nos olhos, pois caímos na nossa própria arma da superioridade.

Ao final de Murderball, não dá para não querer chorar, simplesmente porque o filme é muito bom e mexe com os nossos sentimentos, como poucos filmes de ficção conseguem fazer, menos ainda quando se trata de cinema brasileiro. Não é exagero dizer que Murderball é o melhor documentário lançado este ano.